BREVES COMENTÁRIOS À  LEI  9.985/2000 QUE INSTITUI  O "SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA - SNUC"

 

 

BRIEF COMENTS TO  LAW 9.985/2000 THAT CREATES THE "NATURE'S NATIONAL CONSERVATION UNITS' SYSTEM - SNUC"

 

 

Ana Angélica Monteiro de Barros[1]

Evandro Bastos Sathler[2]

Maria Collares Felipe da Conceição[3]

 

RESUMO

 

Comentários à Lei 9.985/2000  que institui o Sistema  Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC

 

ABSTRACT

 

Coments to Law 9.985/2000 that institutes de Natures' National Conservation Units' System - SNUC

 

1. INTRODUÇÃO

 

Várias modalidades de áreas protegidas e áreas correlatas estão previstas no ordenamento jurídico nacional. Comumente se denominam Unidades de Conservação - UC's E a criação e gestão destas unidades bem como de áreas correlatas são tratadas em inúmeras normas, tais como Leis, Decretos, Portairas, etc.

 

A Constituição Federal determina no seu artigo 225, § 1°, inciso III, que incumbe ao Poder Público

 

"definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção"; 

 

Ambientalistas de todo o país clamavam por uma lei que sistematizasse a criação e gestão de Unidades de Conservação. Surge o Projeto de Lei - PL 2.892/92, criando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, conhecido como SNUC, tendo como relator inicial o Deputado Federal Fábio Feldman, substituído pelo Deputado Federal Fernando Gabeira.  

 

O objetivo da lei - que foi discutida pela sociedade em várias audiências publicas pelo Brasil - buscava regulamentar o dispositivo constitucional acima transcrito, sistematizando em um único diploma legal tudo que fosse concernente a UC's.

 

Paralelamente vem sendo discutido a reforma do Código Florestal, a Lei 4.771/65. O cenário é inquietante e o ambientalismo brasileiro vem passando por momentos de grande incerteza. Parte do Código Florestal  já foi alterado pela Medida Provisória 1.956/51. Tramita ainda pelo Congresso Nacional o PL n° 5/2000, do Deputado Micheletto. Tanto a MP quanto o PL trazem novidades. A MP apresenta algumas positivas, e outras, por falta de entendimento, vêm sendo consideradas  negativas. O PL n° 5/2000, na opinião da imensa maioria, deve ser rechaçado.

 

Coincidência ou não, é neste cenário de inquietação que, depois de quase oito anos tramitando no Congresso Nacional, foi finalmente aprovado o PL 2.892/92, transformando-se na Lei 9.985, sancionada em 18.07.2000 pelo Vice-Presidente Marcos Maciel, no exercício do cargo de Presidente da República, com  nove vetos - considerados razoáveis  - e publicada no Diário Oficial da União - DOU em 19.07.2000. 

 

O SNUC, finalmente valendo como Lei, introduz  os avanços clamados há tanto tempo pela sociedade. O horizonte da proteção ambiental no território brasileiro fica mais nítido. O SNUC ampliou e, sobretudo, flexibilizou,  a gestão das UC's.

 

A seguir passamos a comentar alguns artigos da Lei 9.985. Buscamos ainda apontar alguns aspectos do SNUC - que em nossa humilde opinião - avançaram em relação ao esparso ordenamento existente.

 

2. COMENTÁRIOS

 

A Lei inicia dispondo sobre a regulamentação do "art. 225, § 1°, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dando outras providências.

 

Como se vê, não foi regulamentado apenas o artigo 225, § 1°, inciso III, como foi dito, que trata da instituição de áreas especialmente protegidas, mas três outros incisos, o I, II e VII, que tratam da proteção ambiental em geral e também especificamente.

 

2.1.  CAPÍTULO  I - DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES - Artigos 1° e 2°

 

O artigo 1° expressa a instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão de UC's.

 

O artigo  define termos importantes, como Unidade de Conservação; Conservação da Natureza; Diversidade Biológica; Recurso Natural; Preservação; Proteção Integral; Proteção "in situ"; Manejo; Uso Indireto; Uso Sustentável; Extrativismo; Recuperação; Restauração; População Tradicional; Zoneamento; Plano de Manejo e Zona de Amortecimento. Estes termos, embora compreendidos "para os fins previstos por esta Lei", servem, por analogia, na interpretação e entendimento em outras situações.

 

No que concerne ao termo "Unidade de Conservação", adverte José Eduardo Ramos Rodrigues[4], "não existe qualquer dispositivo legal  que com um mínimo de clareza  defina realmente o que venha a ser tal instituto", situação que fica suprida no artigo 2° da Lei em tela, além de outros importante termos ligados à proteção do meio ambiente, que via de regra, causam dúvidas na defesa do meio ambiente em juízo. 

 

2.2.  CAPÍTULO  II - DO Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - ArtigoS 3° ao 6°

 

Este capítulo está resumido em quatro artigos.

 

O artigo 3° dispõe que o "Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC é constituído pelo conjunto de unidades de conservação federais, estaduais e municipais", e o  artigo 4° e seus treze incisos, elencam os objetivos do SNUC.

 

O artigo  , igualmente em treze incisos, dispõe sobre as importantes diretrizes pelas quais o SNUC será regido, que asseguram a participação das comunidades envolvidas no processo de implantação e gestão de UC's; apoio e cooperação de  ONG's, organizações privadas e pessoas físicas no desenvolvimento de estudos e pesquisas, educação ambiental, atividades de lazer,  turismo ecológico, entre outras atividades de gestão das UC's; incentivam as populações locais e populações tradicionais, além de organizações privadas a administrarem UC's, flexibilizando sua gestão financeira, inclusive, quando for  possível, a autonomia financeira; assegurem o processo de criação de UC's integrando programas de gestão de terras e águas circundantes; e

 

O artigo 6°, em seus três incisos e parágrafo único, dispõe sobre os órgãos e suas atribuições na gestão do SNUC. Especifica o CONAMA como órgão consultivo e deliberativo; o Ministério do Meio Ambiente, como órgão central coordenador do SNUC; e o Ibama e órgãos correlatos a nível estadual e municipal como órgãos executores.

 

2.3. CAPÍTULO III - DAS CATEGORIAS DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - Artigos 7° ao 21

 

É o maior e mais importante capítulo da Lei, pois é nele que efetivamente se identificam os grupos de UC's, com suas modalidades, objetivos, atributos, requisitos, etc.

 

Determina o artigo 7° que as "unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas". São elas as: I - Unidades de Proteção Integral; e as II - Unidades de Uso Sustentável. Conforme a previsão de seus dois parágrafos, o objetivo daquelas "é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei" e destas "é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais".

 

O artigo 8°  elenca as categorias de Unidades de Proteção Integral, quais sejam: 

 

I - Estação Ecológica - disposta no artigo 9°,  §§ e incisos;

II - Reserva Biológica - disposta no artigo 10 e §§;

III - Parque Nacional - disposto no artigo 11 e §§;

IV - Monumento Natural - disposto no artigo 12 e §§; e

V - Refúgio de Vida Silvestre - disposto no artigo 13 e §§.

 

O artigo 14 elenca as categorias de Unidades de Uso Sustentável, quais sejam:

 

I - Área de Proteção Ambiental - disposta no artigo 15 e §§;

II - Área de Relevante Interesse Ecológico - disposta no artigo 16 e §§;

III - Floresta Nacional - disposta no artigo 17 e §§;

IV - Reserva Extrativista - disposta no artigo 18 e §§;

V - Reserva de Fauna - disposta no artigo 19 e §§;

VI - Reserva de Desenvolvimento Sustentável - disposta no artigo 20, e§§ e incisos; e

VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural - disposta no artigo 21, e §§ e incisos.

 

Abaixo encontra-se uma  tabela com algumas  categorias de Unidades de Conservação existentes antes da Lei 9.985/2000,  dispondo cada qual do seu respectivo instrumento legal: 

 

 

TIPO

INSTRUMENTO LEGAL

PARQUES - (Nac. - Est. - Mun.)

Lei 4.771/65 (Código Florestal) - Artigo 5°, "a" - Regulamentado pelo Decreto n. 84.017/79

FLORESTAS  - (Nac. - Est. - Mun.)

Lei 4.771/65 (Código Florestal) - Artigo 5°, "b" - Regulamentado pelo Decreto n. 84.017/79

RESERVAS BIOLÓGICAS - (Nac. - Est. - Mun.)

Lei 4.771/65 (Código Florestal) - Artigo 5°, "a", também definida pela Lei 5.197/67 (Lei de Caça) - Artigo 5°, "a"

ESTAÇÕES ECOLÓGICAS

(Nac. - Est. - Mun.)

Lei 6.902/81 - Regulamentado pelo Decreto n. 99.274/90

ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - A.P.A. (Nac. - Est. - Mun.)

Lei 6.902/81 - Regulamentado pelo Decreto n. 99.274/90;

ÁREAS DE RELEVANTE INTERESSE ECOLÓGICO

Lei 6.938/81 - Artigo 9°, "VI"; regulamentado pelo Decreto 89.336/84

RESERVAS ECOLÓGICAS

Lei 6.938/81 - Artigo 18, regulamentado pelo Decreto 89.336/84

 

Áreas correlatas:  Áreas Especiais de Interesse Turístico, Área de Potencial Espeleológico, Área Protegida, Área de Proteção Especial, Área de Preservação, Área de Preservação Permanente, Jardim Botânico, Jardim Zoológico, Horto Florestal,  Monumento Natural, Reserva Florestal, Reserva Extrativista, Parque Ecológico, Parque de Caça, Reserva Particular do Patrimônio Natural - R.P.P.N.

 

2.4. CAPÍTULO IV  - DA CRIAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - Artigos 22 ao 36

 

O artigo 22 expressa que as Unidades de Conservação são criadas pelo Poder Público, e os parágrafos seguintes sobre os estudos técnicos, consulta pública para criação de UC's, critérios para alteração de uma modalidade ou categoria para outra e ampliação de limites geográficos.

 

O artigo 23 prevê a posse ou uso pelas populações tradicionais das Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável por meio de contrato. Os parágrafos e incisos dispõem sobre obrigações e normas para utilização dos recursos naturais.

 

O artigo 24 determina que o subsolo e o espaço aéreo, se "influírem na estabilidade do ecossistema", podem integrar os limites da UC. É um dispositivo ousado, considerando, por exemplo, a possibilidade da descoberta de uma jazida petrolífera, ou outro minério, ou mesmo água mineral. Pelo disposto nesta Lei, seria possível a exploração da jazida, e os rendimentos utilizados em prol da própira UC. Naturalmente para uma hipótese como esta, seria necessário o competente EIA/RIMA.

 

O artigo 25 determina que "devem possuir zona de amortecimento" (artigo 2°, XVIII) e, quando conveniente, "corredores ecológicos" (artigo 2°, XIX), excetuando-se as APA's e RPPN's. O § 1° dispõe sobre o estabelecimento de normas para ocupação e uso dos recursos na zona de amortecimento e do corredor ecológico pelo órgão gestor da UC e o § 2° sobre os limites e normas tratados no parágrafo anterior serão definidos  no ato de criação da UC.

 

O artigo 26 e parágrafo único determina que "quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional".

 

O artigo 27 determina que as UC's devem dispor de Plano de Manejo e os parágrafos seguintes sobre a abrangência, fins e  prazo para elaboração. É o Plano de Manejo para a UC o que a Constituição é para o país. Neste documento, definido na alínea XVII do § 2°, é que está o coração pulsante da UC. Sem ele a UC não passa de um espaço territorial.

 

O artigo 28 e parágrafo único proíbe nas UC's "quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos".

 

O artigo 29 e 30 democratizaram a gestão de UC's, trazendo para a prática o conceito de gestão participativa. Aquele especifica que as UC's de Proteção Integral disporão de um Conselho Consultivo, presidido pelo Órgão Responsável e constituído por representantes da sociedade civil, e, quando for o caso, de proprietários de terras (localizadas em Refúgio da Vida Silvestre ou Monumento Natural) e das populações tradicionais na hipótese do § 2° do art. 42. Este vai mais além, ao determinar que as organizações da sociedade civil de interesse público[5] podem ser gestoras de UC's, nas condições e casos especificados no artigo. 

 

O artigo 31 e §§ proíbem a introdução de espécies da fauna e flora não autóctones às UC's, excetuando-se as APA's,  as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável. Em áreas particulares localizadas em Refúgios da Vida Silvestre e Monumentos Naturais podem ser criados animais domésticos e plantas consideradas compatíveis com o Plano de Manejo destas UC's.

 

O artigo 32 e §§ determinam que os órgãos executores - articulando-se com a comunidade científica - estimularão o desenvolvimento de pesquisas nas UC's. Especifica critérios protecionistas e aprovação prévia para a realização de pesquisas, excetuando-se as APA's e RPPN's. Vai mais além prevendo a possibilidade do órgão gestor da UC repassar a instituições nacionais de pesquisa a atribuição de aprovar e credenciar trabalhos de pesquisa. É outra demonstração de flexibilização e descentralização da gestão de UC's, democratizando os espaços que a todos pertencem, quer do ponto de vista territorial como dos recursos ambientais.

 

Os artigos 33, 34, 35 e 36  tratam de aspectos financeiros ligados a UC's, o que é bastante positivo como comentaremos.

 

O artigo 33 determina, excetuando-se as APA's e RPPN's, que a exploração comercial de "produtos, subprodutos ou serviços obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais ou da exploração da imagem de unidade de conservação", e que dependerá de "prévia autorização e sujeitará o explorador a pagamento" pela utilização destes recursos. Cria meios para que a UC deixe de ser um peso financeiro para o Poder Público, passando a gerir-se do ponto de vista empresarial, ou seja, viabilizando-se com seus próprios meios. Desde que previsto no seu Plano de Manejo, peça importante para viabilizar a vocação empresarial da UC.

 

O artigo 34 e parágrafo único prevê que o órgão responsável pela administração da UC pode  "receber recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais, com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas ou de pessoas físicas que desejarem colaborar com a sua conservação", sendo que tais recursos serão geridos pelo órgão gestor e utilizados exclusivamente na  implantação, gestão e manutenção da UC.

 

O artigo 35 especifica que "os recursos obtidos  pelas unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral mediante a cobrança de taxa de visitação e outras rendas decorrentes de arrecadação, serviços e atividades da própria unidade" deverão ser aplicados de acordo com os critérios estipulados em seus três incisos, que tratam dos percentuais não maiores que cinquenta e não menores que quinze por cento, que serão utilizados na implementação, manutenção e gestão da própria unidade; na regularização fundiária;  das unidades de conservação do Grupo; e na implementação, manutenção e gestão de outras unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral. É uma forma democrática, donde uma UC que melhor se viabiliza, ajuda outra que ainda não se encontra em condições de autosustentabilidade. Como sabemos, atualmente, pouco ou nada do que é arrecadado numa UC é nela empregado, sendo todos os recursos enviados ao caixa único da União ou do Estado Federado, nos casos em que a UC gera alguma receita. No caso, são os Parques Nacionais e Estaduais os que possuem ativos a dinâmica de geração de receitas.

 

O artigo 36 e §§ prevêem que "nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA" ficará o empreendedor obrigado "a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei". É uma forma interessante de compensação. Na prática isto já vem ocorrendo, e muitas empresas acabam criando RPPN's como forma de compensação pelo impacto causado por sua atividade, conforme indicação do EIA/RIMA.

 

O percentual do "apoio" será  fixado pelo órgão ambiental licenciador, no mínimo de meio por cento do custo total do empreendimento, "de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento".  Cabe a este órgão definir "as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor". Poderá ainda, dependendo da circunstância, "ser contemplada a criação de novas unidades de conservação".

 

No caso do "empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento" o licenciamento referido neste artigo  "só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração", e a  compensação prevista, mesmo não sendo a UC do Grupo de Proteção Integral, deverá ser aplicada na mesma.

 

2.5. CAPÍTULO V  - DOS INCENTIVOS, ISENÇÕES E PENALIDADES - Artigos 37 ao 40

 

Este capítulo, representado pelos artigos 37 (vetado) ao 40, é  um pouco confuso, pois trata da ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importem em danos à flora e fauna "e demais atributos naturais das unidades de conservação, bem como às suas instalações e às zonas de amortecimento e corredores ecológicos" sujeitando os infratores às sanções previstas em lei (grifo nosso). No caso, a Lei referida é a  9.605, Lei dos Crimes Ambientais.

 

O artigo 39 do SNUC buscou dar nova redação ao artigo 40 da Lei 9.605/98, mas foi vetado. Alterou contudo os §§ 1° e 2°, mantendo na íntegra a redação do § 3°. Assim, o artigo 40 da Lei 9.605 passa a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o artigo 27 do Decreto n° 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

      

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

       § 1° - Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre." (NR)

       § 2° - A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para a fixação da pena." (NR)

       § 3° - Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

 

O artigo 40 acrescentou  à Lei 9.605/98 o artigo 40-A, cujo caput foi vetado.  Inseriu contudo três  §§. O primeiro definiu as "Unidades de Conservação de Uso Sustentável, as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural. (AC)"; o segundo prevê que a ocorrência de "dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a fixação da pena." (AC); e o terceiro, igual ao § 3° do artigo 40 da Lei 9.605/98.

 

2.6. CAPÍTULO VI  - DAS RESERVAS DA BIOSFERA - Artigo 41

 

Com um único artigo, o 41 e seus  §§ e incisos, este capítulo trata das Reservas da Biosfera, "reconhecida pelo Programa Intergovernamental "O Homem e a Biosfera - MAB", estabelecido pela UNESCO, organização da qual o Brasil é membro".

 

"A Reserva da Biosfera, cujo modelo, internacionalmente adotado, prevê a "gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com os objetivos básicos de preservação da diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações".  Constituem-se as Reservas da Biosfera, áreas de domínio público ou privado, em "áreas-núcleo"; "zonas de amortecimento"; e "zonas de transição".

 

2.7. CAPÍTULO VII  - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS - Artigo 42 ao 60

 

O artigo 42 e §§  tratam das populações tradicionais residentes em UC's nas quais a permanência não seja possível (Unidades de Proteção Integral). Dispõe que estas populações serão reassentadas e receberão indenizações pelas benfeitorias, e enquanto não forem reassentados, "serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações".

 

O artigo 43 determina que, no prazo de cinco anos, o Poder Público fará um levantamento de terras devolutas para fins de destinação à conservação da natureza.

 

O artigo 44 e parágrafo único dispõem que as ilhas oceânicas e costeiras destinam-se prioritariamente à proteção da natureza e que a destinação para fins  diversos depende de autorização.

 

O artigo 45 e incisos tratam da exclusão de indenizações referentes à regularização fundiária das UC's, sejam ou não por desapropriação, as espécies arbóreas; expectativas de ganhos e lucro cessante; operação de juros compostos; e áreas que não tenham prova de domínio inequívoco anterior à criação da UC. Necessário este artigo, pois pelo que se vem observando, sobretudo no Estado de São Paulo, existem indenizações milionárias devidas a particulares por conta da instituição de UC, visto que todo tipo de expectativa de utilização da propriedade vêm sendo contabilizada no cálculo das indenizações.

 

Os artigos 46 e parágrafo único trata da instalação de equipamentos,  como abastecimento de água, esgoto, eletricidade, entre outros, em UC's onde tais equipamentos são permitidos. Dependem contudo de aprovação do órgão responsável, e, dependendo do caso, de EIA/RIMA. Aplica-se tal condição às zonas de amortecimento das UC's de Proteção Integral. 

 

O artigo 47 e o 48 determinam, respectivamente,  que empresas pública ou privada que façam uso de recursos hídricos  e geração ou distribuição de energia elétrica, beneficiária da proteção de uma UC, deverá contribuir financeiramente para a proteção e implementação desta, de acordo com regulamento específico.

 

O artigo 49 e parágrafo único determinam que será considerada zona rural a área compreendida por UC de Proteção Integral, e sua zona de amortecimento, uma vez formalmente delimitada, não pode ser transformada em zona urbana.

 

O artigo 50 e parágrafos incumbem ao Ministério do Meio Ambiente, em colaboração com o Ibama e órgãos estaduais e municipais competentes, a organização e manutenção de um cadastro nacional de UC's, que divulgará e colocará à disposição do público interessado, contendo as principais informações sobre cada uma, incluindo informações sobre espécies ameaçadas de extinção, situação fundiária, recursos hídricos, clima, solos, aspectos socioculturais e antropológicos. Oportuno este artigo, que deveria ir mais além, como por exemplo, a obrigatoriedade da divulgação nas escolas públicas e privadas do município, da existência de UC em seu território, ainda que parcial ou ainda que de esfera superior. Por extensão, deve o Poder Público articular com as regionais do Conselho de Corretores de Imóveis, para que os mesmos se abstenham ou melhor orientem seus clientes quando da aquisição de propriedades nos limites de UC's, delimitadas ou não. Na prática, o Poder Público é omisso na sua atribuição de implantação de UC's, e o que se vê é um enorme desrespeito ao meio ambiente, sobrepujando o direito de propriedade e a especulação imobiliária ao direito por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos da Constituição Federal.

 

O artigo 51 incumbe ao Poder Executivo Federal a elaboração de um relatório de avaliação global  da situação das UC's federais, a ser submetido à apreciação ao Congresso Nacional.

 

O artigo 52 determina que os mapas e cartas oficiais indiquem as áreas que compõem o SNUC. Fica este artigo entendido no comentário ao artigo 50.

 

O artigo 53 e parágrafo único determinam ao IBAMA, que incentivará as autoridades estaduais e municipais competentes, a procederem na elaboração e divulgação periódica de uma relação revista e atualizada das espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção em território brasileiro, e nos territórios jurisdicionais de estados e municípios. Vide comentário ao artigo 50.

 

O artigo 54 determina a competência do IBAMA para permitir, excepcionalmente, a captura de exemplares de espécie ameaçada de extinção destinados a programas de criação em cativeiro ou formação de coleção científica, nos termos desta  lei e regulamento específico. 

 

O artigo 55 determina que as "unidades de conservação e áreas protegidas criadas com base nas legislações anteriores e que não pertençam às categorias previstas nesta Lei serão reavaliadas, no todo ou em parte, no prazo de até dois anos, com o objetivo de definir sua destinação com base na categoria e função para as quais foram criadas, conforme o disposto no regulamento desta Lei". Esta é a dúvida latente naqueles interessados pelo tema Unidades de Conservação. O que ocorrerá com as UC's existentes e não previstas nesta Lei? Como se interpreta deste artigo, no prazo de dois anos elas serão reavaliadas, para serem incluídas nas categorias previstas nesta Lei. É aguardar.

 

Artigo 56 foi vetado.

 

O artigo 57 e parágrafo único determinam que os "órgãos federais responsáveis pela execução das políticas ambiental e indigenista deverão instituir grupos de trabalho para, no prazo de cento e oitenta dias a partir da vigência desta Lei, propor as diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das eventuais superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação" e que na criação destes grupos de trabalho "serão fixados os participantes, bem como a estratégia de ação e a abrangência dos trabalhos, garantida a participação das comunidades envolvidas".

 

O artigo 58 incumbe ao Poder Executivo regulamentar esta Lei no prazo de cento e oitenta dias da publicação.

 

O artigo 59 expressa que a Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

O artigo 60 revoga expressamente:

 

os arts. 5° e 6° da Lei no 4.771/65 (Código Florestal), que tratam (art. 5°) da criação de Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, nos quais fica  proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais;  e criação de Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais. O artigo 6° expressa que o "proprietário da floresta não preservada, nos termos desta Lei, poderá gravá-la com perpetuidade, desde que verificada a existência de interesse público pela autoridade florestal. O vínculo constará de termo assinado perante a autoridade florestal e será averbado à margem da inscrição no Registro Público". É deste artigo 6° que foi mais tarde regulamentado o instituto da Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, tratado especificamente nesta Lei no artigo 21.

 

o artigo 5° da Lei no 5.197/67 (Código de Proteção a Fauna), que trata da criação de "Reservas Biológicas nacionais, estaduais e municipais; e Parques de Caça Federais, Estaduais e Municipais.

 

o art. 18 da Lei no 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente) que transforma em Reservas ou Estações Ecológicas, sob responsabilidade do IBAMA, as florestas e as demais formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no artigo 2° da Lei 4.771/65 (Código Florestal).

 

 

3. CONCLUSÃO

 

A Lei tardou mas chegou. Em mais cento e oitenta dias teremos, com alguma sorte, um decreto regulamentador. Até lá viveremos de especulações do que acontecerá ou não com as UC's decretadas mas não implantadas. Valerá o disposto nesta Lei, ou em lei(s) anterior(es)?

 

Um dos grandes avanços desta Lei é tornar claros os conceitos nela utilizados, como os elencados no artigo 2°. Deveria existir um dispositivo constitucional impondo que toda Lei que introduzisse novos termos as definisse em seu próprio corpo, evitando-se confusões de qual o significado oficial disto ou daquilo.  Os que militam na área jurídica sabem, que muitas vezes, a proteção ambiental perde pela falta do entendimento do que é ou deixa de ser o significado de uma palavra ou uma expressão. Nem todos os juizes são sensíveis com a questão ambiental, o que muitas vezes resulta na impunidade dos poluidores. 

 

A possibilidade de uma UC vir a ser gerida como empresa é algo bastante ousado. Grandes possibilidades existirão de uma UC passar de consumidora de recursos para geradora destes, além da criação de postos de trabalho e geração de tributos. Sabidamente o Poder Público tem dificuldades burocráticas em intercambiar recursos com o setor produtivo. Existem suas razões. Com os avanços introduzidos pelos artigos  do Capítulo IV, é possível que uma UC passe a ter CGC e contribuir com o INSS. O IBAMA vinha desenvolvendo um programa de abertura de alguns parques nacionais para a exploração de seus equipamentos pelo setor produtivo, mediante contratos de concessão. Devido à burocracia, como dissemos, é possível que este programa tenha avançado apenas nas UC's que possuam grande visitação pública, deixando de lado aqueles com poucas chances de receitas. Com esta Lei é possível que este programa seja revisto, abrindo espaço para parcerias locais, entre Prefeituras, ONG's e setor   produtivo local do entorno da UC.

 

Finalizando, esta Lei é uma das mais bem elaboradas dos últimos tempos, sobretudo no que concerne ao meio ambiente. Os avanços, talvez considerados ousados demais, podem com o tempo demonstrar que esta Lei, embora chegando tarde, trará sinais de que o Brasil avança, e que a proteção do nosso imenso patrimônio natural está, muito mais nas mãos do povo, do que dos Poderes instituídos.

 

4. BIBLIOGRAFIA

 

RODRIGUES, JOSÉ EDUARDO RAMOS. Aspectos jurídicos das unidades de conservação. in Revista de Direito Ambiental,  n° 1 - Janeiro -Março 1996, Editora Revista dos Tribunais, p. 107

Trabalho publicado nos anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação – Campo Grande – MS

 



[1] Bióloga - Mestre  em Geociências e Professora  Assistente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ/FFP DCIEN; Presidente da ONG Núcleo de Estudos Ambientais - NEA - Protetores da Floresta - Niterói - RJ.

[2] Advogado - Assessor Jurídico do Núcleo de Estudos Ambientais - NEA - Protetores da Floresta e Assessor Jurídico da Associação Pró-Fundação Universitária do Vale do Jequitinhonha - FUNIVALE; Coordenador do Projeto Expedição Spix & Martius - www.funivale.org.br

[3] Desembargadora - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal Fluminense.

[4] RODRIGUES, JOSÉ EDUARDO RAMOS. Aspectos jurídicos das unidades de conservação. in Revista de Direito Ambiental,  n° 1 - Janeiro -Março 1996, Editora Revista dos Tribunais, p. 107

[5] LEI N° 4.690/98