ATIVIDADE ECOTURÍSTICA NA ÁREA DENOMINADA
“CÓRREGO DOS COLIBRIS”, SITUADA NOS LIMITES DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA
TIRIRICA – P.E.S.T. - R.J.
ECOTOURISM AT
“CÓRREGO DOS COLIBRIS” SITUATED IN THE BOUNDARIES OF THE “SERRA DA TIRIRICA”
STATE PARK – R.J.
Evandro Bastos Sathler[1]
O
presente trabalho, submetido ao Instituto Estadual de Floresta (IEF-RJ), é um
parecer técnico contestando a construção de uma “pousada ecológica" e uma
sub-sede para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Niterói e instituição
de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) na área de especial
interesse ambiental denominada “Córrego dos Colibris, situada nos limites do Parque Estadual da Serra da Tiririca,
Estado do Rio de Janeiro, proposta por Maurício Alvarim de Mattos, em documento
intitulado “Memória Descritiva Ambiental”.
This paper,
submited to the “Instituto Estadual de Florestas” (IEF-RJ), oposes the building
of an “ecological inn” and a ranger's post for the County of Niterói’s
Environmtal Agency and the institution of a “Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN) at the environmental special interest area of “Córrego dos
Colibris” situated in the boundaries of
Serra da Tiririca” State Park, proposed by Maurício Alvarim de Mattos in
the document entitled “Memória Descritiva Ambiental”.
O Documento “MEMÓRIA DESCRITIVA
AMBIENTAL”, subscrito por Maurício Alvarim de Mattos, busca fundamentar –
“ecologicamente” – a implantação de empreendimento imobiliário na área
denominada “Córrego dos Colibris”, integrante do Parque Estadual da Serra da
Tiririca – P.E.S.T. (Niterói / Maricá), decretado pela Lei Estadual 1.901 em 29
de Novembro de 1991. O P.E.S.T. foi homologado em 10 de Outubro de 1992 pela
UNESCO como integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Em seu item, FATORES ECOLÓGICOS, o
Documento expressa “que os fatores
ecológicos são hoje em dia a principal forma de marketing usado na valorização
e nas vendas de empreendimentos imobiliários por todo o Brasil”.
Invoca ainda os incentivos destinados ao
ecoturismo pelos governos Federal, Estadual e Municipal por ser gerador de
divisas e garantidor do desenvolvimento sustentável, “mantendo nossos ecossistemas preservados”. Para tal basea-se na Portaria Interministerial N. 001
de 20 de Abril de 1994 e na exposição de motivos n. 005 de 29 de Setembro de
1994 do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo e do Ministério do Meio
Ambiente, que estabelecem as Diretrizes para uma Política Nacional de
Ecoturismo, resolvendo “subsidiar o
Município de Niterói com infra-estrutura básica para a instalação deste tipo de
atividade”.
Mais além, declara reservar um lote de aproximadamente 7.000 metros
quadrados para a construção de uma “Pousada
Ecológica” e a destinação de certa área para a criação da primeira Reserva
Particular do Patrimônio Natural – R.P.P.N. da cidade de Niterói.
Finalizando, o “empreendedor se propõe a
construir e doar à Secretaria Municipal do Meio Ambiente uma sub-sede em
terreno já delimitado em planta a ser doado à P.M.N. para que a mesma acompanhe de perto todas as atividades da região”.
A palavra ecoturismo é um neologismo
usado pela primeira vez por Hector Ceballos-Lascuráin em 1983 e se formou a
partir do prefixo “eco”(do grego oikos
= casa) + “turismo” (de origem francesa). Em outras palavras, o ecoturismo é o
turismo praticado em casa, leia-se, no meio (ambiente) onde vivemos. Naquela
época vários termos se confundiam ao representar a mesma idéia. Segundo
Ceballos-Lascuráin (1996)[3],
pelo menos 35 termos, como turismo ecológico, turismo natural, turismo
selvagem, turismo de aventura, agro-turismo etc. parecem conectar-se ao
ecoturismo.
Segundo Sathler (1998)[4] o ecoturismo é um dos segmentos turísticos
que mais cresce no mundo. Os motivos deste crescimento são muitos, e entre
eles, com grande relevância, está sua relação com a proteção do meio ambiente e
o desenvolvimento sustentável. Por tais características, este segmento goza de
grande simpatia do Poder Público em todo mundo.
Em 1994, por iniciativa da EMBRATUR, foi
elaborada as DIRETRIZES PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE ECOTURISMO[5],
documento este viabilizado por um grupo interministerial (Ministério da
Indústria, Comércio e Turismo e Ministério do Meio Ambiente), e conceitua o
ecoturismo como sendo:
“um
segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio
natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma
consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o
bem estar das populações envolvidas.”
O mercado brasileiro de operadores de
turismo ecológico (ou ecoturismo) define o ecoturismo como:
“toda
atividade realizada em área natural com o objetivo de observação e conhecimento
da flora, fauna e aspectos cênicos (com ou sem o sentido de aventura); prática
de esportes e realização de pesquisas científicas”.
Alguns eventos foram realizados no
Brasil, a nível nacional e internacional. Em 1995, a Prefeitura Municipal de
Canela - RS em parceria com a Associação Comercial e Industrial de Canela e
apoio do WWF (Fundo Mundial para a Natureza), encomendou à Ruschel &
Associados Marketing Ecológico a organização
da 1° Bienal de Ecoturismo de Canela. Em
preparação para o evento, como segunda etapa da Bienal, foi editado o Relatório
de Auditoria de Opinião junto ao trade
turístico. Este documento juntamente com as DIRETRIZES PARA UMA POLÍTICA
NACIONAL DE ECOTURISMO constituem importante fonte de consulta para os
interessados no ecoturismo. Do evento realizado em Canela resultou a criação do
INSTITUTO DE ECOTURISMO DO BRASIL – I.E.B., sediado em São Paulo – S.P.
O ecoturismo teve grande avanço
institucional em países como o Kenia, Costa Rica, Estados Unidos, Canada e
Austrália. Outros países como Brasil, Peru, Equador, Mexico e Africa do Sul o
segmento está se organizando, embora
seus recursos naturais sejam imensos.
Em linhas gerais o ecoturismo é entendido
internacionalmente como:
"Viagens conscientizadas"(a) a
"áreas naturais protegidas"(b) e que "cooperam para o bem estar
das comunidades locais"(c).
Os trechos destacados resumem as
características do ecoturismo:
a) Viagens
conscientizadas - O grande motivo do ecoturista é o conhecimento -
educação. A melhor forma de conhecer sobre um lugar é visitando-o. Conhecendo
suas belezas e curiosidades. A base
desta característica é a informação. O ecoturista interessa-se pelo destino que
pretende visitar e pesquisa sobre ele. Não só com relação aos pacotes
turísticos existentes (guias, transporte, hospedagem, alimentação, etc) mas
sobre outros aspectos ligados ao meio ambiente (físico) como geografia, clima,
ciclos da chuva, e o meio cultural, como aspectos relacionados a população,
costumes, folclore, etc. A conscientização do viajante em relação à região
(destino) que pretende viajar é muito importante.
b) Áreas
naturais protegidas - O ecoturismo
se dedica - por essência - às áreas protegidas (Unidades de Conservação –
U.C.’s e áreas correlatas) onde a
visitação é prevista em plano diretor, i.e., Parques, Reservas, APA's, etc...
Isto se dá porque são justamente nestas áreas, por seu nível de conservação,
que permite a maior e mais original interação com o meio ambiente desejada pelo
ecoturista. Naturalmente quanto maior a U.C. tanto mais selvagem poderá ser, e
permitir uma interação mais intensa com a natureza.
O ecoturismo não se restringe às U. C.'s.
Existem um grande número de áreas e ecossistemas, importantes, com atributos
turísticos relevantes, mas que não são uma U.C. e ainda assim não estão fora do
abrigo de lei ordinária. De qualquer forma, os grandes interessados e maiores
parceiros na preservação destas áreas são sem sombra de dúvidas, os operadores de ecoturismo, ou à rigor,
todos aqueles que se beneficiam de alguma forma da preservação destas áreas.
Daí, a grande afinidade com o desenvolvimento sustentável, pois a atividade
estará organizada, e gerando lucro quanto mais preservada estiver a área em
questão.
c) Cooperam para o bem estar das
comunidades locais. Esta é talvez a característica mais importante do
ecoturismo. A atividade ecoturística deve valorizar ao máximo as comunidades
locais (tradicionais) do interior e entorno de U.C. ou alguma região com
atributos ecoturísticos. Para os ecoturistas é muito importante o nível de
envolvimento da comunidade local nas atividades ligadas à sua visita. O que se
busca é que os habitantes locais tenham na atividade uma forma de sustento e
preferencialmente complementar às já existentes. Sejam como guias,
trabalhadores nos hotéis e pousadas, restaurantes, motoristas, artesãos
etc.. Enfim, a mão-de-obra utilizada na infra-estrutura de determinado
destino ou produto ecoturístico, deverá absorver ao máximo a mão-de-obra local,
e, preferencialmente, como atividade
complementar às tradicionais. Em outras palavras, não é interessante que o
agricultor, ou o pescador, ou o garimpeiro abandone suas atividades
tradicionais (sustentadas) em substituição a um trabalho numa pousada ou numa
atividade ligada ao ecoturismo. Preferencialmente se deseja, que a oferta de
trabalho na infra-estrutura ecoturística seja complementar. O ecoturista deseja
interagir, trocar experiências com as pessoas locais. Não serve para o
ecoturista chegar a uma determinada região, alí permanecer alguns dias ou
semanas, sem que a comunidade local esteja envolvida intensamente com sua visitação.
O Documento “MEMÓRIA DESCRITIVA
AMBIENTAL”, subscrito por Maurício Alvarim de Mattos, demonstra pouco
conhecimento sobre a atividade
ecoturística.
O empreendedor parece desconhecer que a área onde pretende implantar seu empreendimento
está inserida no Parque Estadual da Serra da Tiririca – P.E.S.T., área esta
integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, conforme delimitação
provisória prevista pelo Decreto Estadual 18.598/93. As restrições de ocupação
do solo nesta área não permitem a implantação de qualquer empreendimento, e até
que se conclua o Plano Diretor, as
atividades ecoturísticas no interior do Parque devem ser devidamente
acompanhadas por técnicos e pessoal habilitado na forma da lei.
A utilização do conceito de “marketing
ecológico” proposto pelo empreendedor na “valorização
e venda de empreendimento imoblilário” reveste-se de “ecoportunismo” e
insensatez. É incompreensível, diante da proposta do empreendedor, que a destruição de grande, importante e internacionalmente
protegida porção de Mata Atlântica possa servir de apelo ecológico para atrair
clientela para um empreendimento absolutamente em desacordo com preceitos
conservacionistas e as leis de proteção ao meio ambiente.
Invocar os “incentivos ao ecoturismo pelos governos Federal, Estadual e Municipal
como gerador de divisas e garantidor do desenvolvimento sustentável, “mantendo
nossos ecossistemas preservados”, e que ainda pretende “subsidiar o Município de Niterói com
infra-estrutura básica para a instalação deste tipo de atividade (ecoturismo)”
é um contra-senso. Olvida-se o empreendedor que está pleiteando a sumária
destruição – através de parcelamento de solo – de extensa área de Mata
Atlântica, já tão escassa no município de Niterói. Ressalta-se que no Brasil
restam apenas 3% da Mata Atlântica original, segundo COSTA (1994)[6].
Acreditar que as três instâncias do governo reconheçam legitimidade nesta
empreitada é ofender os princípios democráticos em que está alicerçada a
sociedade brasileira.
O empreendedor acredita no fomento da atividade ecoturística em
Niterói, exibindo como “outdoor” a supressão de Mata Atlântica, e a destinação
do que restar para uma R.P.P.N. É no mínimo uma aberração. Ecoturistas são – à
rigor – pessoas esclarecidas e vigilantes, que não compactuariam com tal
iniciativa.
Equivocou-se o empreendedor quanto a
norma que regulamenta a criação de R.P.P.N.’s, citando o Decreto Federal
98.914, de 30-01-90. A criação de
R.P.P.N.’s é regulada pelo Decreto 1.922, de 5 de Junho de 1996, cujo artigo 18
revoga expressamente o Decreto citado. O parágrafo único do artigo 5 ° do Decreto 1.922 expressa:
“Serão prioritariamente apreciados pelo
órgão responsável pelo reconhecimento os requerimentos referentes a imóveis
contíguos as unidades de conservação, ou a áreas cujas características devam
ser preservadas no interesse do patrimônio natural do país”.
A superposição de Unidades de Conservação
(R.P.P.N. – de cunho privado - SOBRE um
Parque Estadual – eminentemente público) advinda da proposta do
empreendedor, é juridicamente confusa.
Isto acarretará fatalmente na denegação da R.P.P.N. pelas
autoridades, já que deve prevalecer o interesse público sobre o privado, como
princípio de direito.
A construção de uma “Pousada Ecológica” em terreno de 7.000 metros quadrados,
implicaria necessariamente em
desmatamento, haja visto que a Serra da Tiririca é integralmente coberta
por Mata Atlântica em diversos estágios de regeneração. A localização de uma
Pousada dentro da mata não seria atrativo suficiente para um empreendimento ser
caracterizado “ecológico”.
O maior atrativo para este empreendimento
de hospedagem seria o Parque e sua infra-estrutura. A maior vocação do Parque,
conforme atividade que vem sendo praticada por diferentes grupos e
operadoras, são as caminhadas, com
especial destaque paras as trilhas do Alto Mourão, Bananal e Colibris. Estas
caminhadas são atividades de meio dia ou no máximo dia inteiro e não geram
grandes receitas aos operadores. Dificilmente justificaria uma atividade com “overnight” que necessitasse de
infra-estrutura de hospedagem.
A
infra-estrutura de hospedagem na Região Oceânica é conhecidamente precária. Considerando os atributos
turísticos da Região como um todo, e
aí, inserido o Parque como um produto complementar, e não principal, poderia
justificar uma Pousada, contudo sua localização estaria mais inclinada à beira
mar.
Tendo em vista a precariedade dos
fundamentos demonstrados para
justificar o fomento da atividade
ecoturística em face do empreendimento pretendido na serra da Tiririca,
concluo INCONSISTENTE o caráter
ecológico invocado pelo empreendedor.
Como sugestão:
i) Poderia o empreendedor doar ao Estado
do Rio de Janeiro as terras que alega domínio e que estariam inseridas no
P.E.S.T. Tal atitude permitiria a
rápida inserção das referidas terras no contexto do Parque, cumprindo sua
função sócio-ambiental, e livrando por definitivo tal área da constante ameaça
promovida pela especulação imobiliária;
ii) Poderia o empreendedor construir uma
Pousada Ecológica em outra área, à beira mar, próxima ao Parque, suprindo assim
a carência da Região Oceânica de meios de hospedagem, conquistando a simpatia
do Poder Público e do trade
ecoturístico, bem como o respeito da comunidade. Observar contudo que a Região
não possui abastecimento de água e
rede de esgoto sanitário;
Com relação “a construir e doar à Secretaria Municipal de Meio Ambiente uma sub-sede
em terreno já delimitado em planta a ser doado à PMN para que a mesma acompanhe
de perto todas as atividades da região” seria atitude louvada, o que
certamente contaria com o reconhecimento do Poder Público. Tal fato sim
permitiria obter o empreendedor as benesses do marketing ecológico,
conquistando sustentavelmente um espaço de destaque no meio imobiliário.
4.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CEBALLOS-LASCURÁIN,
Hector. Tourism,
ecotourism and protected areas: The World Conservation Union –
IUCN - 1996
COSTA, José Pedro de Oliveira. Pressões Antrópicas sobre a Mata Atlântica: situação atual e perspectivas de conservação, in A Questão Ambiental, Telegraph, São Paulo, 1994
DIRETRIZES PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE ECOTURISMO, Coordenação de Silvio Magalhães de Barros II e Denise Hamú de la Penha. Brasilia: Embratur, 1994
O Estado de São Paulo, de 23-09-76, p. 28, apud SILVA, José Afonso, Direito Ambiental Constitucional, Malheiros, São Paulo, 1997
SATHLER, Evandro Bastos. Área de Proteção Ambiental: in Revista de Estudos Jurídicos, 2° Semestre 1999, Universidade Salgado de Oliveira
[1] Advogado - Assessor Jurídico do Núcleo de Estudos Ambientais - NEA - Protetores da Floresta e Assessor Jurídico da Associação Pró-Fundação Universitária do Vale do Jequitinhonha - FUNIVALE; Coordenador do Projeto Expedição Spix & Martius - www.funivale.org.br
[2] O Estado de São Paulo, de 23-09-76, p. 28, apud SILVA, José Afonso, Direito Ambiental Constitucional, Malheiros, São Paulo, 1997
[3] CEBALLOS-LASCURÁIN, Tourism,
ecotourism and protected areas, The World Conservation Union – IUCN - 1996
[4] SATHLER, Evandro Bastos, Área de Proteção Ambiental, monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Salgado de Oliveira - 1998
[5] DIRETRIZES PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE ECOTURISMO, Coordenação de Silvio Magalhães de Barros II e Denise Hamú de la Penha. Brasilia: Embratur, 1994
[6] COSTA, José Pedro de Oliveira, Pressões Antrópicas sobre a Mata Atlântica: situação atual e perspectivas de conservação, in A Questão Ambiental, Telegraph, São Paulo, 1994