Presença Humana em Unidade de Conservação de Proteção Integral. Parque Estadual da Serra da Tiririca:

Estudo de Caso. projeto de Pesquisa.

 

HUMAN PRESENCE IN CONSERVATION UNITS OF FULL PROTECTION. “SERRA DA TIRIRICA” STATE PARK:

CASE STUDY. RESEARCH PROJECT

 

Evandro Bastos Sathler[1]

 

Sumário

 

O presente projeto de pesquisa é uma proposta de estudo da situação do Parque Estadual da Serra da Tiririca – PEST[2], considerando-se os aspectos sócio-ambientais da  presença humana em Unidades de Conservação - UCs de Proteção Integral, sob a perspectiva do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC[3].

 

Abstract

The present research project is a proposal to study the Serra da Tiririca State Park, considering social-environmental aspects of the human presence in Conservation Units of full protection, under the perspectives of the National System of Conservation Units – NSCU.

 

Introdução

 

O PEST foi decretado em 1991, abrangendo uma área de assentamento para fins de reforma agrária instituída no começo da década de 1960, que assentou várias famílias de agricultores (meeiros) remanescentes da antiga fazenda do Engenho do Mato (Niterói), transformada em loteamentos. O estudo se concentra nas relações de uso da terra e a titularidade da mesma pelos assentados em face dos procedimentos expropriatórios para fins de implantação de UC, modalidade parque. 

Introdução

 

O SNUC, após anos de tramitação no Congresso Nacional, reuniu em um único diploma legal as várias modalidades de Unidades de Conservação - UCs[4], anteriormente espalhadas por Leis e Decretos, editados ao longo dos anos.

 

O SNUC estabeleceu dois grupos básicos de UCs (artigo 7°): as Unidades de Proteção Integral, cujo objetivo básico é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei (§ 1o); e as Unidades de Uso Sustentável, cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (§ 2o). As UCs do grupo de Proteção Integral, previstas pelo SNUC no artigo 8° são: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque; IV - Monumento Natural; e V - Refúgio de Vida Silvestre. Deste grupo, a modalidade parque é a que nos interessa.

 

A modalidade parque, prevista em nível nacional, estadual e municipal, caracteriza-se pelos fins a que se destina, que são basicamente a pesquisa científica e a visitação pública, com objetivo educacional e recreativo, de acordo com seu plano de manejo. Para atingir tais fins, é necessário que a área decretada UC esteja desimpedida, ou seja, que as terras sejam de domínio público e livres da presença humana permanente. Tal situação nem sempre é possível, pois grande parte dos parques são pressionados por populações humanas, seja no interior ou no entorno, em especial nos paises em desenvolvimento (BRANDON 2001). No Brasil, os parques, independente do nível, foram e são decretados abrangendo tanto terras de domínio público quanto de domínio privado. Caso em que abranja terras de domínio privado, faz-se necessária a competente expropriação, nos termos da Constituição Federal de 1988 e do Decreto-lei 3.365, de 21-6-1941, que rege a matéria, subsidiado agora pelo SNUC, que inovou em certos aspectos.

 

Os procedimentos expropriatórios garantem aos legítimos proprietários o amparo da lei. Havendo ocupantes não proprietários, como posseiros, reserva-se outro tratamento, sendo indenizadas apenas as benfeitorias, quando for o caso. Sem a efetiva regularização fundiária, não há meios legais para exigir a saída das populações residentes numa UC, sejam proprietários, sitiantes ou posseiros.

 

Mantendo-se a presença humana residente em seu interior, o parque não se compatibiliza perfeitamente à definição teórica legal, e sua  existência torna-se incompleta: uma ficção. 

 

O tema é controverso, dividindo os ambientalistas em duas correntes: (a) os preservacionistas  (ou biocentristas, ou ecocentristas), que não admitem a presença humana em parques sob qualquer hipótese; e (b) os conservacionistas (ou antropocentristas) que admitem a presença humana em parques, sob determinadas circunstâncias, em especial quando se  trata das ditas populações tradicionais, cujo conceito permanece sem definição legal (LEITE 2001). 

O caso do PEST não é diferente da realidade dos demais parques brasileiros. Embora decretado há dez anos, o PEST possui apenas, até o presente momento, os limites da área de estudo para a demarcação do perímetro definitivo[5]. A presença humana permanente, nos limites da área de estudo do PEST é uma realidade e caracteriza-se por três formas de ocupação: i) sitiantes; ii) posseiros; e iii) proprietários. Para a definitiva implantação do PEST, faz-se necessária a regularização fundiária, e como conseqüência, a saída de seus ocupantes, sejam sitiantes, posseiros ou proprietários.

 

Os sitiantes, para efeitos desta proposta, são entendidos como um grupo de famílias (meeiras), remanescentes da antiga Fazenda do Engenho do Mato, que foi desmembrada e transformada em loteamentos ainda na primeira metade do século XX. Para desocupar as áreas loteadas, foi necessário reassentar as famílias numa gleba da fazenda não loteada, localizada no contraforte da serra da Tiririca, sob a intervenção do Governo de Estado do Rio de Janeiro. Este assentamento foi precedido por um estudo prévio, denominado  Plano de Ação Agrária, empreendido no começo da década de sessenta e lastreado pelos Decretos Estaduais expropriatórios 7.281/61, 7.577/61 e 7.836/62.

 

A presente proposta de trabalho objetiva investigar as ocupações e usos da terra por sitiantes e posseiros, nos limites da área declarada de utilidade pública para fins de assentamento de agricultores remanescentes da Fazenda do Engenho do Mato, nos termos dos decretos supra mencionados, e os aspectos legais desta ocupação e uso em face da decretação de UC abrangendo tal área, contrapondo-se os procedimentos expropriatórios necessários para a definitiva implantação desta UC.

 

No caso dos posseiros, a realidade histórica é outra. Sua ocupação se distribui informalmente por toda a serra da Tiririca, há várias décadas. Inclusive anteriores ao Plano de Ação Agrária e na área de estudo.

 

Tanto os sitiantes quanto os posseiros, sofreram no passado e sofrem até hoje grande pressão para desocuparem suas terras. Muitos dos sitiantes oficialmente assentados deixaram suas áreas pelos mais variados motivos, mas principalmente pela especulação imobiliária. Algumas áreas estão hoje ocupadas  por posseiros.  As áreas mais próximas da baixada, super valorizadas pelo boom imobiliário verificado a partir da década de 70, com a ponte Rio - Niterói, foram as primeiras a serem ocupadas de forma diversa à atividade agrária, prevista pelo Plano de Ação Agrária. Os que ocupavam sítios em altitudes mais elevadas, resistiram por mais tempo.

 

Este fenômeno de resistência, ou seja, os sitiantes e posseiros que não abandonaram suas ocupações na serra, atrelado ao uso que se deu às mesmas, constitui o maior interesse da presente proposta. Sob uma análise sócio-ambiental, é possível observar elevados níveis de conservação da cobertura vegetal (Mata Atlântica), localizadas nas ocupações serra acima, tanto de sitiantes quanto de posseiros. É o caso especial do Sítio Três Nascentes (Niterói), que possui uma grande porção de vegetação típica de Mata Atlântica em razoável estágio de conservação.

 

Como identificar vilões e guardiães da serra? Como separar o joio do trigo na hora de calcular o valor das indenizações pela desocupação por sitiantes e posseiros? Vale menos ou nada vale aquela ocupação sub-utilizada, que não suprimiu a vegetação nativa, e que permitiu que a natureza seguisse seu rumo? Quanto vale para o Estado uma área coberta por Mata Atlântica, deliberadamente conservada, quando poderia há quarenta anos ter sido substituída por banana ou outra cultura? Quanto valem os conhecimentos tradicionais de sitiantes e posseiros? Podem sitiantes e posseiros serem considerados população tradicional da serra da Tiririca? Como e onde reassentar os sitiantes e posseiros no advento da regularização fundiária para demarcação definitiva do PEST?  A conservação voluntária da cobertura vegetal da serra poderá ser considerada uma benfeitoria?

 

Com o passar dos anos, a população de sitiantes fica mais descaracterizada, na medida em que seus descendentes vão se desligando das áreas ocupadas desde os assentamentos da década de 60. O destino dos sitiantes e posseiros é incerto, embora já se façam representar por uma associação, formalmente estabelecida[6]. Tal iniciativa se deve ao irreversível processo de implantação do PEST, bem como forma de defesa coletiva em face da pressão exercida por grileiros e especuladores imobiliários sobre as terras que ocupam. A titularidade sobre as terras ocupadas por sitiantes e posseiros é uma incógnita e precária, e as notícias que se tem do desfecho do processo expropriatório (deflagrado pelos Decretos Estaduais 7.281/61, 7.577/61 e 7.836/62) são poucas. Estarão tais terras inseridas no patrimônio público por conta deste processo expropriatório?  Quem possui o domínio sobre as terras ocupadas pelos sitiantes e seus sucessores? Qual o tratamento que o Estado do Rio de Janeiro reserva para estas populações em face da delimitação definitiva do PEST?

 

Respostas para perguntas como estas são esperadas pelos sitiantes e posseiros, e pela comunidade ambientalista que acompanha a implantação do PEST. A presente proposta pode contribuir para obtê-las. Na medida em que investiga tais ocupações, caracterizadas pelo Plano de Ação Agrária, localizados na área de estudo do PEST, com uma abordagem que envolva a relação com a terra, meios de produção (agro-silvicultura), tipos de benfeitorias, conhecimentos tradicionais, entre outros aspectos, espera-se encontrar elementos que protejam os direitos destes sitiantes e posseiros a um processo de regularização fundiária mais justo, sugerindo mecanismos que possam premiar os que protegeram o patrimônio ambiental da serra com ocupações ambientalmente sustentadas, ou até garantir sua permanência, levando-se em conta alguns dispositivos legais previstos pelo SNUC e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que podem permitir uma interpretação pró sitiantes e posseiros. Fora os aspectos legais protecionistas, a experiência e conhecimentos destes atores poderão contribuir em futuros trabalhos de pesquisa científica no PEST, um dos motivos pelo qual foi inicialmente decretado.

 

Organizações não governamentais - ONGs do entorno da serra da Tiririca vêm acompanhando o processo de implantação do PEST desde sua decretação. Inúmeros trabalhos científicos já foram produzidos, incluindo-se uma brilhante dissertação de mestrado, de autoria da Desembargadora Maria Collares Felipe da Conceição (TJRJ), que tratou dos conflitos de atribuições dos diferentes órgãos gestores da qualidade ambiental do PEST; e em curso, a dissertação de mestrado da bióloga Alba Simon, aluna da Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade Federal Fluminense, e que trata dos conflitos que envolvem os diferentes atores de dentro e entorno do PEST. Em curso ainda uma Ação Civil Pública Ambiental, postulando a implantação imediata do PEST, cujo patrono é o autor desta proposta. Recentemente foi descrita uma nova espécie de bromélia[7], endêmica da serra da Tiririca, e tal endemismo em muito reforça a necessidade de conservação da cobertura vegetal da serra.

Metodologia (Material e Métodos)

 

O presente projeto de pesquisa é visualizado em quatro momentos interconectados:

 

i)                    Presença Humana em Parques Nacionais e Estaduais (RJ) = pesquisa teórica, buscando informações genéricas sobre a presença humana em parques nacionais, por amostragem, contextualizando a questão numa perspectiva nacional, e utilizando-se da mesma dinâmica em relação aos parques estaduais (Estado do Rio de Janeiro), para contraposição desta problemática global-regional (Brasil - Rio de Janeiro). Visualiza-se um parque nacional por região brasileira (N, NE, CO, SE e S), preferencialmente decretado entre as décadas de 70 a 90. Com relação ao parques estaduais, excetuando-se o PEST,  a pesquisa se concentrará no Parque Estadual do Desengano, Parque Estadual da Ilha Grande e Parque Estadual da Pedra Branca, todos sob a gestão do Instituto Estadual de Florestas – IEF-RJ, igualmente gestor do PEST. Para tal serão pesquisadas as leis específicas e publicações atinentes à questão, incluindo-se anais de congressos específicos sobre UCs e consulta aos órgãos gestores de UCs nos níveis indicados;

 

ii)                   Procedimentos expropriatórios = abordagem doutrinária e legal dos procedimentos expropriatórios para fins de implantação de UCs;

 

 

iii)                 Processos de desapropriação em curso no Estado do Rio de Janeiro para fins de implantação de parque estadual = identificação de processos expropriatórios para fins de implantação de UCs, em andamento e findos, a nível da justiça estadual. Para tal, uma agenda de visita ao órgão gestor dos parques estaduais e Secretarias de Estado pertinentes, com pesquisa no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, na busca por decretos expropriatórios, além de visita aos cartórios competentes nas comarcas do Estado do Rio de Janeiro que possuírem parques estaduais, pesquisando o andamento dos processos expropriatórios para fins de regularização fundiária de UC, para posterior avaliação do tratamento dispensado a possíveis sitiantes e posseiros em cada caso;

 

iv)                 Pesquisa de campo pela serra da Tiririca = identificação da área delimitada para fins de assentamento (Decretos Estaduais 7.281/61, 7.577/61 e 7.836/62), através de mapas e imagens de satélite e pesquisa de campo pela serra da Tiririca, identificando in loco as ocupações dos assentamentos da década de sessenta e seus atuais ocupantes, sejam sitiantes ou posseiros, verificando e documentando os diferentes níveis de proteção ambiental e de utilização sustentável da terra. Tal pesquisa de campo se concentrará na área determinada pelo Plano de Ação Agrária inserida na área de estudo do PEST, mas poderá contemplar outras ocupações próximas, no intuito de enriquecer a comparação e a base de dados pretendida.

Resultados Esperados e Relevância

 

            No primeiro momento da pesquisa espera-se situar a questão da presença humana em UCs numa abordagem teórica e doutrinária que juntamente com o segundo e terceiro momento da pesquisa, poderão gerar elementos de convicção para os operadores do direito e o Poder Público em geral, no que concerne os procedimentos para regularização fundiária de UCs no futuro. O quarto momento da pesquisa, além de corroborar com os anteriores - genéricos, poderá colaborar com o processo de implantação definitivo do PEST, especificamente, na medida em que identifica  ocupações de sitiantes e posseiros com níveis de conservação ambiental sustentáveis e conhecimentos sobre a fauna e flora que possam subsidiar futuras pesquisas científicas nesta UC, além de outros aspectos de relevância ambiental. 

Bibliografia preliminar

 

BENJAMIN, Antônio Herman (organizador). Direito ambiental das áreas protegidas. Rio de  Janeiro: Forense universitária, 2001

 

BRANDON, Katrina. Natural protected áreas and biodiversity conservation. In Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Campo Grande: Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação: Fundação O Boticário, 2000, 2 v.

 

BRASIL. Lei n°9.985 de 18 de Julho de 2000; institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

 

LEITE, Jose Rubens et alii. Estação ecológica e reserva biológica. Direito ambiental posto ou aplicado. In Direito ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Forense universitária. 2001, p. 372/3

 

Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Campo Grande: Rede        Nacional Pró-Unidades de Conservação: Fundação O Boticário, 2000, 2 v.

 

Journal of the Bromeliad Society. 51 (4): 147 -  July – August 2001

 

 

 

Cronograma de Execução (máximo 18 meses)

 

 

 

 

 

 

 

 

m

e

s

e

s

 

 

 

 

 

 

 

Momentos Previstos

 

1

 

2

 

3

 

4

 

5

 

6

 

7

 

8

 

9

 

10

 

11

 

12

 

13

 

14

 

15

 

16

 

17

 

18

i) Presença Humana em Parques Nacionais e Estaduais (RJ)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ii) Procedimentos expropriatórios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

iii) Processos de desapropriação em curso no Estado do Rio de Janeiro para fins de implantação de parque estadual

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

iv) Pesquisa de campo pela serra da Tiririca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Advogado ambientalista. sathler@email.iis.com.br Assessor jurídico das ONGs Núcleo de Estudos Ambientais Protetores da Floresta – Niterói – RJ e FUNIVALE – Associação Pró-Fundação Universitária do Vale do Jequitinhonha – www.funivale.org.br 

[2] Localizado entre os municípios de Niterói e Maricá, no Estado do Rio de Janeiro, o PEST foi decretado pela Lei 1.901, em 29 de Novembro de 1991.

[3] Sistema Nacional de Unidades de Conservação - Lei Federal 9.985, sancionada em 18 de julho de 2000

[4] O SNUC definiu Unidade de Conservação, no artigo 2°, inciso I, como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

[5] Área esta delimitada pelo Decreto Estadual 18.598/93

[6] Associação dos Sitiantes da Serra da Tiririca.

[7] Vrisea costae B.R. Silva & Leme, descrição publicada no . Vol. 51. July – August 2001 – n° 4